CAPÍTULO
2
A ECORREGIÃO FLORESTAS DO
ALTO PARANÁ
As
principais causas da fragmentação
e degradação
da Ecorregião Florestas do
Alto Paraná
Uso da terra
Principalmente
devido à expansão
agrícola em direção
a oeste, no Brasil, (café,
no fim do século XIX, e trigo,
soja, cana-de-açúcar
e laranja nos últimos 50
anos), a Ecorregião Florestas
do Alto Paraná foi reduzida
a somente cerca de 7,8% de sua área
original. No Brasil, o remanescente
é de apenas 2,7% (771.276
ha) da área original, incluindo
o Parque Nacional do Iguaçu,
o Parque Estadual do Morro do Diabo,
o Parque Estadual do Turvo e alguns
poucos fragmentos florestais menores
– e virtualmente nada além
das áreas protegidas.
Na Argentina e no Paraguai, o relativo
isolamento da ecorregião
em relação aos centros
de populações humanas
permitiu a preservação
da maior parte dos remanescentes.
Aproximadamente 1.123.000 ha, cerca
de metade da área da ecorregião
na Argentina são remanescentes,
formando um corredor contínuo
que cobre uma grande parte da província
de Misiones. A maior parte dos remanescentes
florestais está no Corredor
Verde, uma área de conservação
e uso sustentável de mais
de 1.100.000 ha, criada na legislação
da província de Misiones
(García Fernández,
2002, Cinto & Bertolini, no
prelo). Embora o Paraguai mantenha
uma grande área (1.152.332
ha) de vegetação nativa,
trata-se de apenas 13,4% da área
original naquele país. O
Paraguai apresenta uma das mais
altas taxas de desmatamento de todos
os países da América
Latina e os cortes mais recentes
vêm fragmentando rapidamente
a floresta remanescente (Altstatt
et al., 2003) (Figura
7).
A fragmentação, o
isolamento e degradação
dos fragmentos florestais foram
identificados como as principais
ameaças à conservação
da biodiversidade na ecorregião.
Esses processos vêm ocorrendo
em diferentes intensidades nas diversas
partes da ecorregião. Mais
adiante (Capítulo
3), discutiremos as conseqüências
da degradação e fragmentação
florestal na conservação
da biodiversidade. No momento, concentraremos
nossa discussão nas principais
causas da degradação
e da fragmentação
florestal.
A expansão agrícola
tem sido identificada como a principal
causa básica do processo
de fragmentação da
floresta na Ecorregião Florestas
do Alto Paraná. As principais
atividades econômicas que
direcionam a conversão das
florestas nativas incluem as culturas
anuais (soja, cana-de-açúcar,
milho, trigo, algodão, fumo)
e as perenes (café, erva-mate,
chá e monoculturas florestais
de Pinus sp. e eucalipto).
A criação de gado
também é uma importante
atividade econômica em expansão
na ecorregião, requerendo,
geralmente, a conversão das
florestas nativas em pastos de gramíneas.
A importância dessas atividades
econômicas difere de acordo
com a região, principalmente
devido às diferenças
histórias e modelos de desenvolvimento
dos três países (Laclau,
1994; Holtz & Placci, no prelo).
Por exemplo, as plantações
de soja são muito importantes
nos estados do sul do Brasil e no
leste do Paraguai, mas não
na Província argentina de
Misiones. As plantações
ilegais de Canabis sativa
estão restritas ao norte
da parte paraguaia da ecorregião.
Em Misiones, as monoculturas florestais,
principalmente de Pinus
sp., constituem a principal atividade
econômica da província
e essas plantações
estão concentradas próximas
ao rio Paraná. Os plantios
de fumo estão concentrados
no estado de Santa Catarina, no
Brasil (Hodge et al., 1997), e na
parte leste de Misiones. Portanto,
para combater as causas da fragmentação
e da degradação florestal
é necessária a implementação
de ações diversas
nas diferentes partes da ecorregião.
Enquanto a agricultura de grande
escala exerce claramente um impacto
negativo na biodiversidade, a agricultura
de subsistência também
contribui para a fragmentação
e degradação das florestas
de inúmeras maneiras. Primeiramente,
para muitos pequenos produtores
a agricultura tem se mostrado economicamente
insustentável devido à
sua dificuldade de acesso ao mercado
ou a incentivos econômicos
disponíveis aos grandes produtores.
Como resultado da insustentabilidade
do sistema de produção,
os pequenos agricultores eventualmente
abandonam suas terras e, neste caso,
geralmente vendem-nas a grandes
proprietários ou empresas.
Essas terras são incorporadas
aos sistemas de produção
intensivos e de larga escala (Laclau,
1994; Colcombet & Noseda, 2000).
Em segundo lugar, a ocupação
de terra e o assentamento de pessoas
com baixo poder aquisitivo que não
têm terra (‘sem-terra’)
em áreas de remanescentes
florestais pode contribuir para
a conversão dos últimos
remanescentes em terras dedicadas
a uma agricultura de pequena escala
e insustentável. Na ausência
de políticas públicas
efetivas que ordenem o uso do solo,
os ‘sem-terra’ ocupam
ilegalmente propriedades privadas
ou do estado, em geral temporariamente,
para produzir algumas poucas culturas
anuais. Sem qualquer outra alternativa
e à procura de pequenas parcelas
de terra para uma agricultura de
subsistência, são algumas
vezes forçados a ocupar ilegalmente
os últimos remanescentes
florestais localizados em áreas
impróprias à agricultura,
onde os solos são improdutivos
ou extremamente declivosos (Hodge
et al., 1997; Cullen et al., 2001;
Chebez & Hilgert, no prelo).
Cullen et al. (2001) descrevem a
situação no estado
de São Paulo: “a concentração
da posse da terra, a especulação
imobiliária e a existência
de muitos ‘sem-terra’
são as principais causas
da imprudência no uso da terra
em áreas onde ainda ocorrem
traços de remanescentes florestais
da Mata Atlântica. Pessoas
pobres, ‘sem-terra’
e sem sustento estão sendo
usadas como objeto de negociações
injustas e forçadas a entrar
nesses fragmentos florestais em
número cada vez maior. Esse
sistema de posse da terra resulta
na exploração dos
fragmentos florestais e ameaça
os habitats remanescentes.”
As causas da degradação
ambiental na ecorregião estão
associadas a situações
históricas e atuais de iniqüidade
social (Laclau, 1994). Isto pode
ser visto claramente quando se observa
a desigualdade da posse da terra,
o que, no geral, é semelhante
nos três países. Em
Misiones, 93% dos produtores têm
propriedades menores do que 100
ha, o que representa somente 1/3
das terras produtivas. O resto das
atividades produtivas ocorre em
grandes propriedades que ocupam
os outros 2/3 das terras produtivas.
A tendência de concentração
da terra nas mãos de poucos
e a maioria das pessoas possuindo
pequenas parcelas tem aumentado
na última década (Colcombet
& Noseda. 2000). No Paraguai,
a situação é
semelhante: 82% das propriedades
rurais têm menos que 20 ha,
enquanto apenas 1% tem mais que
1.000 ha. Entretanto, esse 1% representa
77% das áreas cultivadas
(SEPA, 2000). O mesmo modelo ocorre
nos estados do sul do Brasil (Laclau,
1994; Cullen et al., 2001, Figura
8).
Infra-estrutura
Existem diversas represas na ecorregião
cujo efeito não se restringe
apenas à inundação
de grandes extensões de floresta
nativa, mas também impõe
o aumento da fragmentação
das florestas e reduz a capacidade
de dispersão da flora e da
fauna existentes nos lados opostos
do novo reservatório recém
construído (Fahey & Langhammer,
no prelo). Está planejada
a construção de várias
novas represas na ecorregião,
cujos efeitos negativos serão
provavelmente semelhantes às
que já foram construídas
(FVSA, Bertonatti & Corcuera,
2000; Fahey & Langhammer, no
prelo).
As estradas constituem uma causa
importante de fragmentação
e degradação das florestas
nativas, não apenas pelos
seus efeitos diretos (efeito de
borda, fragmentação
e isolamento de populações
e atropelamentos), mas também
por facilitarem o processo de colonização
e invasão de terras para
obtenção de direito
de posse (Chebez & Hilgert,
no prelo). Quase não há
áreas na ecorregião
sem estradas de acesso. A erosão
do solo ao longo de estradas de
terra mal planejadas e com manutenção
deficiente também é
um ponto de preocupação.
Existe um projeto para o desenvolvimento
de um importante trabalho de engenharia
que envolve a dragagem e canalização
da Hidrovia Paraná-Paraguai,
o que irá incrementar o transporte
de mercadorias do coração
da América do Sul para o
Oceano Atlântico e vice-versa.
Este projeto tem potencial para
afetar seriamente os recursos naturais
da região (Huszar et al.,
1999). Caso sejam implantados este
canal e a infra-estrutura de navegação
associada, ocorrerá um grande
impacto na biodiversidade, tanto
direto (p.ex. na ictiofauna) quanto
indireto, pois serão criados
incentivos econômicos para
a expansão da agricultura
de larga escala e conversão
dos últimos remanescentes
de floresta da região.
(9) Biodiversidade
beta é definida como a alteração
de espécies dentro de determinada
área ou ao longo de um determinado
gradiente, como altitude. Contrasta
com a biodiversidade alfa, que é
corresponde ao número de
espécies em determinado local
ou habitat mais ou menos uniforme.
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